Anteontem e ontem, recebi muitos mimos, que ajudaram a atenuar, pelo menos por momentos, o meu sentimento de frustração profissional e as minhas dores físicas e psicológicas advindas das várias tentativas cirúrgicas para reposição da minha integridade física pré-cancro.Quero, portanto, agradecer a quem se sentiu impelido para me mimar, apesar de eu não me ter exposto em busca do mimo, mas sim em nome da partilha de problemas existenciais, com a qual tenho aprendido muito e que me tem feito muito bem.
Apetece-me, contudo, lamentar ("quem não se sente não é filho de boa gente"...) o facto de, a páginas tantas, me terem lançado as seguintes questões retóricas: "Mas não estás viva ? E não tens marido e quatro filhos, para amar e ser amada?" E eu imaginei logo a possibilidade de virem outras, ainda mais mesquinhas, do género: "Mas não tens casa e carro?" Ou "Mas não tens televisão e net?" Como se, na vida, nada do que se passa connosco nos devesse entristecer, por já termos algo que muitos outros não têm e gostariam de ter, ou, apenas, algo que já não é nada mau ter !... Para isto, mais valia o silêncio - foi o que senti. E logo percebi a inveja, que já tantas vezes me bateu à porta, não só por ter quatro filhos e marido, mas, especialmente, por ser muito feliz com eles. Há quem o evidencie de formas saudáveis, até dizendo francamente que eu sou uma sortuda e que também gostavam de ter quatro filhos, que coisa gira... E eu sinto-me saudavelmente orgulhosa por ser mãe de uma turminha maravilhosa, que, contudo e felizmente, não é o mesmo que ter em casa quatro jarrões de enfeite, ou seja, fico com a ideia de que há pessoas que não conseguem avaliar o que é criar quatro filhos (especialmente nos tempos que correm, pois a minha avó teve bastantes mais e tudo lhe foi, se não mais fácil, pelo menos, menos estressante.
Ora, recapitulemos, sintetizando opiniões alheias: por estar viva e ter marido e quatro filhos, eu já não devo sentir-me triste por ter tido um cancro, que originou já seis cirurgias em três anos, não tendo ainda o bisturi dado mostras de se ter quedado, para não mais me tocar...
Ora bem, a inveja nem é dos filhos e marido que eu tenho (embora isso contribua para o ponto de rebuçado...), nem é das cirurgias que me retalharam o corpo. A inveja é das atenções que eu granjeio, por uma e outra razões, e que tal gente queria mesmo era que eu não tivesse, pelo que tenta que eu deixe de ter, menosprezando os meus sentimentos, numa ânsia de encontrar opiniões concordantes...!
Como se não bastasse, houve ainda quem se tenha incomodado com o meu lamento por haver tantos falantes e escreventes da língua portuguesa que não o fazem de forma correta simplesmente por não darem valor à língua e serem de opinião que, desde que nos entendamos, qualquer forma de uso da língua (correta ou não) serve perfeitamente, e, na primeira oportunidade, tenha procurado provar a minha ignorância e manifestar a sua superioridade. Eu não queria meter-me em novelas, por isso fui apenas até ao ponto de ficar claro que não deixo os meus créditos por mãos alheias, muito concretamente quando alguém que se assume como muito conhecedora de causa até só já está é a meter os pés pelas mãos e, quanto mais alega, mais se enterra. Depois disso, retirei-me e não volto!
Os invejosos que arranjem maneira de lidar com as suas invejas, se por acaso é a mim que invejam, pois troco meu não haverá mais. Ficarão a falar sozinhos, até se enxergarem. E, se não enxergarem, pior para eles, pois da pior das misérias humanas não estarão a libertar-se!