Dedico e dirijo este blogue a todos aqueles que tiverem passado (ou estiverem a passar) por histórias de cancros, quer como protagonistas, quer no papel de acompanhantes na luta contra a doença, mas espero por cá encontrar qualquer contributo que qualquer um considere válido.
A intenção principal é trocar experiências de forma direta e sincera, sem necessidade de qualquer apoio no escudo da força constante e do pensamento sempre positivo, que tantas vezes não estão presentes, mas parece haver uma imposição social para que assim seja...
Sejam bem-vindos! E divulguem este blogue!


Por aqui, discorre-se sobre:

... Acompanhamento Psicológico Ajudar quem Ajuda Alertas Alimentação Alopécia Antes e Depois Aquisições autoestima Brincadeira Cancro da Mama nos Homens Cansaço Chamar os bois pelos nomes Cirurgias Cirurgias de Amigas Codependência Coisificação nas Doenças Prolongadas Complicações Pós-operatórias Consultas Conviver Cumplicidade Dar / Receber a Notícia Desafios Desânimo Desejos Desespero Despedida Diagnóstico Dicas Dieta Distinções Efeitos Secundários de Medicação Emagrecer Encontros de Amigas Esclarecimento Esperança Estilo de Vida Estímulos Exteriores Exames Pré-operatórios Exemplos Famosos Com Cancro Feminilidade Filosofia de Vida Pós Doença Fisioterapia Fracassos Gang da Mama histerectomia Histórias de Luta Hormonoterapia Hospitalizações Humor Implicações Psicológicas Incongruências Informação Lingerie Correta Lingerie Pós-Operatória Medos Meios Complementares de Diagnóstico Meios de Diagnóstico Menopausa Depois do Cancro da Mama Modos de ser Mudanças na Vida Natal Nova Normalidade Novas Amizades Novidades O Cancro em Pormenores O Cancro Não é Só uma Doença; é um conjunto de doenças O Cancro Não é Só uma Doença; é um conjunto de doenças; efeitos secundários da medicação Ocupação em Tempo de Baixa Os cancros dos amigos e familiares Palavras Alheias a Propósito do Propósito Parabéns Partilhar a Doença Perdas Pós-cirurgia Pós-operatórios Prazer em encontrar quem nos entende Prazeres Prevenção Prevenção de Recidivas Processo de Recuperação Projetos de Sensibilização Quimioterapia Radioterapia Rastreio do Cancro da Mama Reações Alheias Reações Pessoais Reconstrução Mamária Regresso à normalidade Regresso ao Trabalho Sentimentos negativos Sexualidade Sinais Sintomas Solidão Tamoxifeno Terapias Toque Tram Flap Tratamentos Verdade Verdadinha Vitórias Vontade de ter poder sobre a doença

riscos marcantes

riscos marcantes

NOTE BEM

No dia 11.1.11, este blogue passou a ser escrito à luz do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Naquele dia, tremeram-me as pernas...

Estávamos a 9 de setembro. Era o segundo dia do meu trabalho na escola, quatro anos depois de eu ter iniciado o ano letivo em que adoeci. Na véspera, o cirurgião que me operou em julho fizera-me os buracos que se veem na fotografia, tirada pelo meu marido. Furou-me com uma tesoura. A sangre frio. Fê-la entrar na totalidade na minha barriga, deixando apenas as "orelhas" de fora, e foi escarafunchando o meu interior com aquilo, enquanto, com a outra mão, me carregava no abdómen, para fazer sair a gordura desvitalizada (como ele lhe chamou), algo muitíssimo parecido com mostarda, tanto na cor como na consistência.
Levantei-me com tempo para me arranjar e estar na escola às 10:30h, hora do conselho de turma. Mas, quando, finalmente, consegui estar pronta e olhei para o relógio, eram 10:25h.
Não fui! Como ainda me tremiam as pernas, deitei-me na cama, ainda por fazer, e aninhei-me por baixo dos panos, deixando as lágrimas correrem... E senti-me uma azarada. Era a terceira vez que regressava à escola, depois do cancro. Iria ser o terceiro falhanço?
Deixei-me adormecer e já passava do meio dia quando acordei. Coloquei a mão no penso que, a tanto custo, eu conseguira fazer sobre os buracos a jorrarem sangue, e pareceu-me seco. Esquecia-me de que usara pensos impermeáveis...
Na casa de banho, vi, à transparência do penso refletido no espelho, que a compressa estava suja. Temi a repetição da experiência matinal e resolvi não lhe mexer.
Estava destroçada. Ter faltado à reunião soava-me a dado suficiente para os meus colegas comentarem que mais uma vez eu não iria conseguir. Parecia-me ouvi-los.
Desci as escadas, de olhos molhados, e surpreendi-me por encarar com o Miguel. Esquecera-me de que os mais novos tinham ficado em casa. Ele perguntou-me se eu precisava de alguma coisa e eu pedi-lhe um copo de água grande com dois pacotes de açúcar. E, quando eu lho devolvi, depois de ter bebido o preparado, sorrimos um para o outro.
Era hora de atacar de novo o penso, uma vez que ficara mais calma. A compressa saiu cheia, mas os buracos já não verteram, como de manhã. E lá fiz eu um penso novo, dessa vez deitada, essencialmente por medo de voltar a sentir as pernas a tremer...

Hoje, dia 26, os buracos estão fechados, há cerca de uma semana. Deixaram de drenar e fecharam. Mas ao longo da cicatriz há um grande inchaço, como se eu tivesse uma boia na barriga. E doi-me, e arde, e limita-me os movimentos, e já fez aparecer na virilha um gânglio, que me assustou, hoje quando acordei, mas em que já estou a pensar como reação do organismo a um processo inflamatório. Só pode ser isso! É talvez a temida rejeição da rede... Ou não, sei lá!... Será que o meu organismo é avesso a qualquer corpo estranho? Já vai parecendo que sim!
Agora, espero por um telefonema do cirurgião, que, depois do meu contacto de ontem, ficou de me ligar hoje, para me dizer quando é que posso ir ter com ele. Só espero que não seja para tratamento semelhante ao do dia oito!...

sábado, 24 de setembro de 2011

O pior do cancro

O pior desta doença malvada é a incapacidade que muitas pessoas têm de se dirigir a quem sofre dela ou por causa dela;
o pior mesmo é a falta de palavras do mundo em redor;
o pior é sentir que ter cancro implica ter solidão;
o pior é haver tantos pormenores para discutir, mas quase ninguém para ouvir;
o pior é perceber que os outros começam a passar mais ao largo;
ou será que o pior é reconhecer a falta de sensibilidade alheia?
Não. Pior, pior é ter de admitir que outros não toleram o facto de o doente oncológico lhes poder roubar atenções e, por isso, fazerem tudo para que ele não as tenha!

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Porque é que não perguntam?!...


Eu teria dado anos da minha vida,
para nunca me tocarem com um bisturi!

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A Coragem que Sempre Temos


A coragem nem sempre se faz ouvir.
Por vezes, coragem é a voz silenciosa,
no final do dia, dizendo:
Tentarei de novo, amanhã.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Tivesse eu os poderes que interessam...

Tivesse eu os poderes que interessam... e, a ter de haver doenças e sofrimento no mundo, distribuiria a coisa de maneira bem diferente!

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Mamas "retalhadas" = Feminilidade posta em causa?

Acho que já sei uma boa (?) razão para as minhas amigas e os meus amigos em nada ligados ao cancro da mama (porque ter uma amiga que o vive(u) não é suficiente para eles se interessarem pelo assunto...) não visitarem este blogue, que eu divulguei, logo à sua nascença, a quem gostaria que o visitasse: é que eu falo de mamas como quem fala de pés calejados!
E a sensualidade que lhes é inerente, e o símbolo sexual que são?! Nada disso aqui é tratado?!
Ai não que não é!!!...
Todos sabem, com certeza, que o valor que damos a tudo na vida é muito maior quando algo ou alguém nos falta ou quando algo não está a funcionar na perfeição, com a melhor aparência, etc. É, portanto, este blogue, uma espécie de tratado sobre uma importante das facetas da sensualidade! Quantas vezes fica(ou) uma dúzia de peças de vestuário desarrumado, num monte por cima da arca do quarto, porque nada me ajuda(va) a compor o ar feminino que qualquer mulher tem direito de querer aparentar...
Felizmente, o meu marido, para além de ter acesso ao que aqui publico, também tem acesso às minhas mamas!!!...
A nossa feminilidade é muito mais posta em causa por quem nunca viu as nossas mamas em processo do que pelos nossos companheiros, que continuam sempre a olhar para elas com desejo de as acariciarem!
Não estou, obviamente, a fazer uma generalização, mas sei que muitas amigas se incluem neste meu grupo...

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

'Rezas e Crenças' Versus 'Palavras de Cumplicidade' Barra 'Destino'

Fui educada no seio de uma família católica praticante, fui à missa aos domingos, no Natal, na Páscoa..., desde pequena até deixar o CNE (Corpo Nacional de Escutas), quando já era casada, pela Igreja, e já perfizera 30 anos de vida, e os meus quatro filhos foram todos batizados.
Todavia, a entrada na minha quinta década de existência, que, à partida, me prometia (pelo que se ouve dizer) os melhores anos até então, aqueles em que, ainda não sendo velha, a pessoa já tem experiência de vida suficiente para aproveitar, de uma forma sábia, o facto de estar viva , trouxe-me uma catadupa de desilusões relativamente à existência, que me desnortearam durante muito tempo. Falo de quase oito anos de aprendizagens forçadas e fortuitas, as quais provocaram mudanças radicais na minha maneira de olhar, sentir e agir sobre o mundo...
As surpresas relativamente ao conhecimento de pessoas que estavam garantidas como parte de mim, o modo como os agentes da medicina desumanizam (ou não humanizam!) a relação com os seus doentes, a intolerância de imensos seres que me rodeavam relativamente a conversas sobre o assunto 'cancro', a incredulidade de alguns relativamente ao facto de eu ter tido necessidade de estar quase três anos em casa, a impetuosidade com que muita gente faz comparações, pensando que sabe do que fala, mas sem saber... E o corpo a ser mutilado, a obrigatoriedade de lidar com essa realidade (olhar e ver, resolver problemas de vestuário de todos os tipos...), as sucessivas intervenções cirúrgicas, os pós-cirúrgicos, que nunca estão resolvidos antes de, pelo menos, seis meses decorridos, a necessidade de reinventar a relação sexual...), os tratamentos, a carecada, os efeitos secundários da químio, os efeitos secundários da rádio, os azares em cinco dos seis pós-operatórios (estou ainda a viver o mais recente desses azares), os doze quilogramas a mais, provocados pela ingestão diária do medicamento que trava a produção de estrogéneos, para prevenir uma recidiva de um cancro hormonodependente... tudo isto e, talvez, muito mais, que agora não me vem à mente, contribuiu para uma "desaprendizagem" de vida, difícil de admitir e de gerir, contribuindo, também este fator, para a depressão profunda que, felizmente, já lá vai.

A doença foi encarada por mim com a naturalidade de qualquer coisa má que nos acontece e que exige o nosso empenhamento e toda a nossa disponibilidade (aquela disponibilidade que nos obriga a encararmo-nos como o centro das nossas atenções, ficando até os filhos para o plano que for possível, em função da nossa recuperação...), para ser resolvida. Nunca pensei que iria morrer, talvez até tenha sido demasiado otimista, pois, olhando para trás, percebo que devo ter pensado que, com a mastectomia e a reconstrução imediata, usando silicone, tudo ficaria resolvido - sem ignorar a eventual necessidade de químio e rádio, claro.

Nada tem sido fácil, nestes três anos. E as fases por que passei foram muitas, incluindo seis recomeços, seis vezes que me ergui de quedas, com características idênticas, mas sempre com muitas características diferentes, também.

Neste tempo, em termos de relações humanas, tive várias experiências distintas: afastamento de pessoas de sempre, tendo, algumas delas investido em novos relacionamentos, ligação virtual e, posteriormente, real, a pessoas que desconhecia, sendo que, algumas já se foram e outras ficaram, têm estado, têm sido! E, também, pessoas que dizem que têm rezado por mim, algo que, há muitos anos não faço por ninguém, nem pelos meus filhos, quando estiveram internados, nem por mim própria, em nenhuma das minhas visitas a blocos operatórios.

Há quase uma legião de tias (minhas e do meu marido), para além da mãe e da sogra (e ainda outras pessoas) que rezam por mim há muito tempo. E eu agradeço-lhes carinhosamente, sem mais pensar no assunto. Mas a verdade é que eu entro sempre descontraída no bloco (desde o dia em que sabia que me iam cortar uma mama) sem pensar em mais nada a não ser que se faça o que tem de ser feito, e recordo todos os rápidos adormecimentos resultantes das anestesias como momentos de entrada na calma absoluta. Tanto assim é, sempre, que, se por ali eu me vier a ficar algum dia, terei deixado esta vida de uma forma desejável.

Temos, portanto, que eu não temo cirurgias em si, mas, do pós cirúrgico, só gosto dos primeiros tempos, em que o sofrimento costuma ser em maior volume, mas as atenções para com o doente, quer por parte das equipas hospitalares, quer por parte das familiares (e de amigos...) são consideravelmente apreciadas por mim.

A quem me considera "menina mimada" eu até diria que, apesar de ser mimada pelos que me amam, de facto, esse não é o mimo que se obtém quando se está doente e tratam de nós, fazendo-nos aquilo que nós costumamos ter de fazer. E isso é tão bom na doença... Isso e as palavras especiais, que certas pessoas conseguem encontrar, para nos oferecerem nesses tempos duros. Especiais, mas não lamechas; especiais, mas concretas, específicas, íntimas, de quem se preocupa em saber o que mais faz falta a quem está em sofrimento.
Essas palavras especiais eu sinto profundamente e agradeço eternamente, se me as dirigirem, sinceras, quentes... As orações das tias eu também agradeço, pois é a maneira que elas têm de me demonstrar que se preocupam comigo e que me desejam tudo de bom. Todavia, não me ligo a quaisquer palavras, sejam elas orações conhecidas ou orações espontâneas, no sentido de pensar que elas têm qualquer poder para garantirem qualquer espécie de sucesso. E foi com a minha mãe, que continua a ir à missa, ao terço, às procissões... e a rezar, que aprendi isto. Disse-me ela um dia: "Se rezar desse o resultado que nós pretendemos, o meu pai não tinha morrido quando eu ainda era jovem, pois eu rezei tanto para que Deus não o levasse..."

O que se passa comigo agora é tão simples e tão duro quanto isto: Não acredito em nada nem em ninguém (quem estiver a ler isto que me perdoe, se puder), pois nada daquilo em que me ensinaram a acreditar, nem as rezas das tias, nem as palavras que me pareceram de amizade tiveram qualquer sucesso, se pensarmos no que era pretendido. Mas, para mim, isso até é lógico, pois há algo em que creio seriamente: é que a nossa hora de partida está programada, como esteve a de chegada, por muito que se possa contrapor...

Dirão, talvez, que, se assim é, é porque acredito em alguma transcendência. Acredito, sim. Mas não sei o que é, nem me preocupo com isso. Talvez até acredite só por necessidade de satisfazer a minha curiosidade permanente em conhecer as razões de tudo e mais alguma coisa, tendo de admitir que há verdades que não consigo explicar... Acredito no Destino, portanto, e que contra ele não se luta, até porque o Destino é algo desconhecido e contra o desconhecido é difícil escolher armas adequadas...

E quanto às minhas tão amadas palavras, digo que sei lá se ainda as amo! Não consigo deixar de as utilizar, mas, se é amor o que lhes tenho, já duvido muito, pois já sofri muitos dissabores à custa da maneira como interpretaram o modo como eu as usei...

Há muito pouco tempo, uma amiga disse-me que a realidade não existe; o que existe é o modo como cada um de nós vê, interpreta os acontecimentos... Talvez ela até tenha razão. Convirá é assumir que esse postulado, se é válido para alguém, é, necessariamente, válido para toda a gente..., nomeadamente para dois observadores de determinada circunstância.

Pensemos, então, só como exemplo, na circunstância de nos cortarem uma mama! E digamos: esta realidade não existe; o que existe é o modo como cada um de nós a vê, a sente, a interpreta, a vive!...

Curioso, não é!? Alguém pensará que a pessoa a quem levaram a mama poderá sentir este facto (se não é realidade, poderemos chamar-lhe 'facto'?!) do mesmo modo que os seus familiares, amigos, amigas, equipas médicas?! Não, pois não!? Mas deveria?! Ou é perfeitamente natural que quem mora num corpo que foi mutilado tenha uma visão desse facto consideravelmente mais sofredora do que qualquer outra pessoa, por mais chegada que seja?! E é ou não natural que precise de algum apoio extra..., nomeadamente de desabafar, e que se entristeça e se sinta sozinha e abandonada, se isso não acontecer, até porque quando esse sofrimento físico (que afeta muito a psique) não existia, essa pessoa era normalmente solicitada?!...

Rezas, crenças, palavras amigas... não são mais do que inerpretações pessoais, perspetivas individuais do que acontece ou poderá vir a acontecer! Será?!...

Já quanto a dores físicas e psicológicas sentidas pelo próprio... Bem, eu digo, já vacinada contra as pessoas que me consideram lamechas, que já sofri um bom bocado, ao ponto de me apetecer trocar o que sentia por "alguns anos de descanso eterno", como escrevi no post anterior. Mas será que isso que senti no corpo, na alma e na mente foi tudo (e ainda está a a ser) ilusão minha? A nossa vida será, afinal, uma imensa ilusão? Se o for, será para todos, não?! Ou serei eu uma ave rara?!...