Oito dias de internamento num serviço de ginecologia podem ser extremamente enriquecedores.
Muitas mulheres de pijama, chinelos e roupão, agrupadas quatro a quatro em diferentes enfermarias, na medida do possível, de acordo com as suas maleitas, nunca, num outro lugar da terra, normalmente vestidas, penteadas, calçadas e maquilhadas, arranjadas para agradar, quer a si próprias, quer ao mundo, se sentiriam tão próximas umas das outras, indiferentes a estatutos sociais, habilitações académicas, modos de falar, marcas de roupa...
Distribuídas ao longo de um corredor, as enfermarias são visitadas por todas. Já que a ninguém foi dado a escolher o número do quarto, nem o da cama, e, a juntar à necessidade de caminhar, em prol de uma rápida e eficaz recuperação, todas vão circulando e visitando - ora pela "avenida, vendo as montras", ora entrando nas "casas" vizinhas, onde as pausas nas caminhadas oferecem mais uma ou outra história de vida.
Tão diferentes as vidas das pessoas! Tantos maridos atrapalhados pela ausência das suas mulheres em casa: um passou a dormir na cama com o sogro; outro é acordado, todas as manhãs, pelo telefonema da mulher, que, ainda que internada, não pode esquecer-se dessa tarefa; outro tem em casa uma folha escrita pela mulher com o que há de tirar do congelador em cada dia, como há de confecionar os vários alimentos, como se põe a máquina da loiça a funcionar; outro mudou-se para casa dos sogros... Quanto a isso abstenho-me de falar, não vá parecer que me armo em boa ao revelar que o meu marido está em casa com os quatro filhos e ainda tem tempo de ir trabalhar e visitar a mulher no hospital...
Enquanto "tomamos conta" umas das outras, não haja uma dor mais estranha ou uma indisposição que deva ser socorrida com rapidez, vamo-nos surpreendendo, na verificação da nossa solicitude, do nosso regozijo em sermos prestáveis, e da camaradagem crescente a cada hora, que é um meio de encolher os longos dias de um hospital.
Todas desejosas das suas casas, ninguém abala dali sem contactos telefónicos, sem moradas, sem endereços de email...
Brinca-se quanto se pode, por vezes contendo o riso, para não doer, mas conseguindo, assim, mitigar a dor. As enfermeiras simpáticas e algumas auxiliares vão alinhando nesta criação de ilusões, o que aquece o coração e oferece uma sensação de segurança - como se não estivéssemos ali por doença, mas talvez de férias, ou talvez hospedadas por uma outra qualquer razão nada relacionada com saúde.
Os comprimidos são pintarolas, as injeções na barriga são picadinhas de mosquito e as das nalgas são pequenos tabefes por não termos comido tudo...
E vão-se fixando caras e nomes, quer das mais queridas, quer das que não devem andar com a vida doce... Ao fim do dia, ouve-se a malta a desejar 'boa noite', no regresso das visitas à vizinhança.
Tão diferentes em tudo estas mulheres... e tão iguais no seu internamento hospitalar! Que pensamos nós que somos quando tudo na vida nos corre bem? Como é possível haver sentimentos de superioridade e vergonha de certos relacionamentos?
Não há dinheiro nem instrução que nos salvem da nossa idêntica condição de humanos que nascem e morrem! E não sofrer é só uma uma sorte que alguns (poucos) têm nesta vida!
(Dedico este texto à Bia, à Glória, à Céu, à Susana, à Odete, à Leonilde, à Nazaré e à enfermeira Teresa)
7 comentários:
Sejas muito bem vinda, Guida!
De facto, há alturas na vida (normalmente, alturas de maior vulnerabilidade) em que as barreiras desaparecem e nos limitamos à nossa condição de humanos com coisas em comum (apesar das diferenças).
E tudo parece mais fácil... Que pena, nem sempre transportarmos essa experiência para a vida dita normal...
Beijinhos e continua a recuperar bem.
Olá, Nela!
É pena, mesmo!
Eu cá vou recuperando, penso que bem, mas com dores e tal... Tudo normal. ;-)
Obrigada pelo miminho
Beijocas
Guidinha, és o máximo, adorei este post. É pena que tantas vezes só nos apercebamos desta realidade da forma mais cruel.
Um grande beijinho,
TP
Olá querida Amiga Palhota desentranhada, fico Feliz pela tua boa recuperação, as dores são normais, são as miudezas que lá ficaram a arrumar-se no novo espaço.
Todas diferentes sim, mas muito mais iguais nestas situações,deveria ser sempre assim.
beijinhos
Beijinhos de rápida recuperação Guida.
É verdade, nessas alturas todas as diferenças desaparecem.
Só é pena que depois no mundo exterior a maior parte se esqueça disso.
E desejo-te boa recuperação.
Bjs
Olá, meninas lindas!
Cá estou a recuperar, de mansinho, para não assustar, mas com todos os efes e erres...
Obrigada pelos mimos, que são coisas do mais doce que há no mundo.
Beijinhos
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