Desta feita, a sua nova versão, curiosamente, uma bebé que completa apenas quatro meses neste exato dia, resolveu verbalizar aquilo que vinha insinuando através da sua tão costumeira maneira de agir - doendo. E escolheu logo um palavrão, talvez para combinar com o seu tamanho desmesurado e com a quantidade dos "salpicos" a que se refere...
Eu até já sou versada em palavrões, mas a verdade é que deve haver algures quem ainda não me reconheça competência suficiente para falar de objetos invasores de mamas e parece não querer deixar-me sossegar enquanto não me souber doutorada na matéria!
Em mais um pomposo relatório médico, para arquivar no meu riquíssimo portefólio das maleitas e tratamentos, vêm descritas as inúmeras lesões espalhadas pela periferia do retalho miocutâneo, de tamanhos entre os 6 e os 19 milímetros, as quais, em conjunto, dão pelo nome de 'citoesteatonecrose'.
Claro que, querendo ser mais claros e acertar melhor na pronúncia, podemos escolher as designações 'necrose gorda' ou 'morte de tecidos gordos', mas não é por optar por essa simplificação, nem por, na net, já ter lido que tudo isto se refere a lesões benignas da mama que eu deixo de sentir este peso no peito, que se me instalou desde que li a honrosa designação dos novos corpos estranhos instalados no meu corpo. São quistos, do tipo das calcificações. Um cabaz deles, que me guardaram na mama e que me incomodam como o raio, porque... doem!
Estou quase a concluir que a minha é uma "never ending" chatice de mama, invasora e limitadora da normalidade dos meus dias e da vida dos seres que me são mais queridos.
Confesso que há quatro anos não podia passar-me pela cabeça a longa duração da novela de que me fizeram protagonista, mas, a dada altura, tive de aceitar que a história era rica de mais para ser contada em pouco tempo. Contudo, estender desta maneira o número de episódios já me parece uma maldade sem tamanho. Eu já tive a minha dose, que diabo! E reagi sem medo e com ânimo... Foi, foi! Mas o otimismo também tem limites, bolas! Até porque não tenho onde ir buscar garantias.
Um ano e meio antes da grande novidade do cancro, foi diagnosticada a presença de um fibroadenoma, na minha mama direita. Benigno, como todos os fibroadenomas, e a necessitar apenas de vigilância, vigilância essa plenamente cumprida e, a cada novo exame, sempre com novidades: mais fibroadenomas e maior tamanho dos fibroadenomas mais antigos. Mas sempre tudo benigno! Até ao dia em que, simplesmente, mudaram o nome aos corpos estranhos ao meu tecido mamário e lhes chamaram, em conjunto, 'carcinoma ductal invasivo'!
E, ainda por cima, quem teve de ouvir o meu pai fui eu, não foram eles, aflito com a doença da filha, mas falando num tom de quem atribui a culpa ao recetor...
Há quatro anos, não tive medo de nada. Hoje, depois de já estar imensamente cansada de sofrer, tenho medo do sofrimento! Não de morrer, pois morrer afigura-se-me como o merecido descanso, mas tenho mesmo muito medo do sofrimento, e também de ter de voltar a lidar com médicos que nos dizem levianamente, na cara, que o nosso mal é dos nervos.
18 comentários:
Amiga, tem calma... acredito que estejas cansada do sofrimento, e tens razões para isso, mas tens de tentar arrebitar!!! Não gosto de te ver tristinha!!!
Eu tb tenho medo... e muito medo... de sofrer... alias eu tenho medo é de sentir DOR.
Mas quero acreditar que vai acabar tudo em bem.
Beijinhos. Descansa.
Por incrível que possa parecer, nunca o medo me assombrou em nenhum momento de todo o meu processo de doença e tratamento do meu cancro. Talvez porque tenha sido uma sortuda em poder estar agora aqui a escrever estas palavras, porque sempre pensaram que não seria possível e superar tudo o que me estava a acontecer. Tive que fingir muitas vezes que tudo estava bem e que nada se passava para que os meus pais, filha, família e amigos não percebessem. No entanto, nem assim eu senti medo. Hoje ao ler o teu belo texto, sim porque tenho que elogiar a tua tão belíssima escrita e que tão bem pode ser interpretada, senti medo por ti.
Não quero. E repito, não quero sentir mais esse medo, porque és uma mulher de coragem e lutaste e lutas por aquilo que queres. Todas temos os nossos momentos menos bons, não somos super mulheres, porque não existem na vida real e não somos banda desenhada. Tu não vais ter medo porque o cansaço vai passar e as forças vão voltar para continuares a ser a mulher, mãe e esposa que o maldito te tentou tirar. Guida, tu és muito mais forte do que tudo o que te quer derrotar e tu vais vencer.
Nós estamos aqui para isso e para o que tu precisares sem teres medo de pedir ajuda. Um beijo grande e um abraço apertadinho, Margarida Faro.
Eu acho esta doença mesmo assustadora, parece que não pára! O raio do bicho já cá não está mas, o pouco tempo que pode permanecer deixou danos que todas as vezes que fazemos um exame vamos descobrindo. Há sempre um dado novo! E, medo é sinónimo de inteligência...é sinal de que temos percepção da gravidade da situação, das consequências, da castração. Mas, esta é a tua luta pessoal. Podes ter medo mas, vais lutar e vencer!
Como eu te compreendo e faço minhas as tuas palavras, tb eu tenho muito medo dos quistos benignos na outra mama, tb eu ando com muito medo, medo que eles mudem de nome de um momento para o outro, por isso sei avaliar o teu sofrimento.... o que mais te posso dizer é que gosto muito de ti e estou aqui sempre que precisares, não esqueças nunca... beijinhos....
Olá Guida! Escreves tão bem mesmo sobre o que não está bem em ti! O Sofrimento é mesmo personagem central na peça da Vida. E o Medo rivaliza com o Sofrimento. São pares. São inseparáveis. Tens tido imensa coragem. Respeito-te porfundamente por isso. Um beijo grande!
Ana,
Realmente, chegou-me um medo que ainda não sentira, e penso que, mesmo em estado calmo, ele veio para ficar, mas está tudo controlado. Já decidi que, se na vigilância, aparecerem novidades, exijo uma ressonância magnética, nem que seja eu a pagá-la, e essa minha decisão, sossegou-me um pouco.
Um abracinho amigo
Cinda,
És terrível, mulher! No bom sentido, estás a ver!? Ao telefone, disseste-me que já tinhas vindo aqui bater-me... ;) Bem, mas, bem vistas as coisas...
Obrigada, rapariga. Eu vou em frente, claro. Fingir, para mim, é que não dá! Quando morrer, todos hão de saber! lolololol
Beijo Grande
Ana,
Pois... Eu costumo dizer que o cancro não é uma doença, mas um conjunto de doenças... E venha ânimo para irmos deitando tudo para trás das costas! Até o medo. Até o medo!
Gosto da tua presença.
Obrigada e um beijão
Maguie,
Tenho saudades de te ver e ouvir!
Temos ambas de controlar o medo, tentando que ele não nos tome a atenção com frequência..., mas é tão bom haver quem nos compreenda de facto!...
Obrigada, Maguiezinha
Espero ver-te em breve
Beijo
Querida Mada,
Dizem que quem não sabe é como quem não vê! Não há sabedoria como a popular...
Deve ser por isto que não tenho medo de morrer! LOL
Enquanto não sofri, não tive medo de nada; agora, o medo que tenho é de sofrer mais...
Obrigada por me visitares e por me ofereceres as tuas palavras, sempre agradáveis.
Um abracinho
O medo existe sempre.Por vezes escondemo-lo bem no fundo de nós mas "ele"está sempre latente...
Penso que sim, Helena. É isso: por vezes, conseguimos relevar mais outros aspetos da nossa vida; outras, não.
Um beijo
Concordo plenamente com o que dizes no ultimo paragrafo.
Quando penso que já ando há dois anos nisto, que vou ser operada pela 7a vez, que já chegava, lembro-me de ti e dos teus quatro anos sempre a andar pra frente!
A única coisa que me anima quando penso nos períodos de sofrimento que me estão reservados em breve é que existem na mesma momentos felizes. A dor física controla-se com morfina. E recuso que o sofrimento tome conta de mim 24h por dia. Há sempre momentos que são meus, e não dele, em que falo com um amigo, escrevo, ouço musica, sinto o sol a aquecer-me a cara...
E depois concentro-me e tento pensar que todo o sofrimento tem um fim, e que o meu também há-de ter. E o teu também. Vai correr tudo bem.
Um grande beijinho*
Querida Silvina,
És uma lutadora do caraças! Se tu dizes que te lembras de mim, em certos momentos, também te digo que eu me lembro muitas vezes de ti, com carradas de admiração e tentando respirar fundo, para ser GRANDE, como tu!
Pensei muito em ti, especialmente no dia 9, depois, admirei-te ainda mais, pela decisão tomada, e agora vou estar contigo no dia 16, a torcer e a saber que vai dar tudo certo, pois é aquilo que tu queres.
Um beijo muito carinhoso *___*
Amiga tudo vai passar um dia acredita em mim. Sei que não está a ser fácil mas vai correr tudo bem acredita. Tem força e sabes que estamos aqui para te ajudar. Beijinhos nessa bochecha linda e lembra-te sempre que te ADORO
Só hoje li este texto ... tens sido muito corajosa, mas entendo que tudo tem limites ... puxa... posso brincar um pouco? vai à bruxa, mulher!
Agora a sério...força, só mais um pouco de força!
beijo grande
Olá, Paula!
Lembras-te daquela ideia de que as dores e o mal-estar deviam fazer acender-se uma luz nos nossos narizes, para que os outros acreditassem...?!...
Ter força e aguentar mais um bocadinho é algo de que estou muito cansada, apesar de ninguém mo ver na cara. E os sítios onde se vê e bem... estão tapados, pronto!
Ou seja, uma pessoa pode estar à beira da rutura total, sem que ninguém se aperceba!
Beijinho e obrigada pelas tuas palavras
*___*
Menina Ana Paula,
Temos andado muito distantes...
Estou mortinha por te ver no sábado.
Olha que vou sozinha de carro, pela primeira vez em anos...
Beijos Grandes
;)
Enviar um comentário