Dedico e dirijo este blogue a todos aqueles que tiverem passado (ou estiverem a passar) por histórias de cancros, quer como protagonistas, quer no papel de acompanhantes na luta contra a doença, mas espero por cá encontrar qualquer contributo que qualquer um considere válido.
A intenção principal é trocar experiências de forma direta e sincera, sem necessidade de qualquer apoio no escudo da força constante e do pensamento sempre positivo, que tantas vezes não estão presentes, mas parece haver uma imposição social para que assim seja...
Sejam bem-vindos! E divulguem este blogue!


Por aqui, discorre-se sobre:

... Acompanhamento Psicológico Ajudar quem Ajuda Alertas Alimentação Alopécia Antes e Depois Aquisições autoestima Brincadeira Cancro da Mama nos Homens Cansaço Chamar os bois pelos nomes Cirurgias Cirurgias de Amigas Codependência Coisificação nas Doenças Prolongadas Complicações Pós-operatórias Consultas Conviver Cumplicidade Dar / Receber a Notícia Desafios Desânimo Desejos Desespero Despedida Diagnóstico Dicas Dieta Distinções Efeitos Secundários de Medicação Emagrecer Encontros de Amigas Esclarecimento Esperança Estilo de Vida Estímulos Exteriores Exames Pré-operatórios Exemplos Famosos Com Cancro Feminilidade Filosofia de Vida Pós Doença Fisioterapia Fracassos Gang da Mama histerectomia Histórias de Luta Hormonoterapia Hospitalizações Humor Implicações Psicológicas Incongruências Informação Lingerie Correta Lingerie Pós-Operatória Medos Meios Complementares de Diagnóstico Meios de Diagnóstico Menopausa Depois do Cancro da Mama Modos de ser Mudanças na Vida Natal Nova Normalidade Novas Amizades Novidades O Cancro em Pormenores O Cancro Não é Só uma Doença; é um conjunto de doenças O Cancro Não é Só uma Doença; é um conjunto de doenças; efeitos secundários da medicação Ocupação em Tempo de Baixa Os cancros dos amigos e familiares Palavras Alheias a Propósito do Propósito Parabéns Partilhar a Doença Perdas Pós-cirurgia Pós-operatórios Prazer em encontrar quem nos entende Prazeres Prevenção Prevenção de Recidivas Processo de Recuperação Projetos de Sensibilização Quimioterapia Radioterapia Rastreio do Cancro da Mama Reações Alheias Reações Pessoais Reconstrução Mamária Regresso à normalidade Regresso ao Trabalho Sentimentos negativos Sexualidade Sinais Sintomas Solidão Tamoxifeno Terapias Toque Tram Flap Tratamentos Verdade Verdadinha Vitórias Vontade de ter poder sobre a doença

riscos marcantes

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No dia 11.1.11, este blogue passou a ser escrito à luz do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

domingo, 28 de março de 2010

Ver a Vida de Outro Modo

Claro que hoje vejo a vida de outro modo.
Há pouco mais de dois anos, eu era muito mãe, muito professora, muito dona de casa, muito esposa; hoje, eu sou muito eu, com tudo o que isso tem de melhor e de pior relativamente à minha verdade de tantos anos, que sinto ter ficado irremediavelmente perdida.
Quando fiquei doente, interiorizei (talvez para minha defesa) que a doença tinha chegado para que eu me tornasse numa pessoa melhor. Dois anos volvidos, eu sou melhor e sou pior, sendo a mesma, mas sendo outra.
Não dou mais valor à vida, por ter tido um cancro. Dou menos! A vida é boa quando estamos bem. E estamo-lo sempre intermitentemente, mesmo quando não temos doença nenhuma declarada. Quando temos, passa-se o mesmo.
É claro que se amanhã, pela manhã, vocês passarem no quiosque e comprarem uma revista de colunáveis, o mais certo é encontrarem N beldades assoladas por maleitas em respostas cem por cento positivas relativamente ao que se aprende e se melhora em termos existenciais, após uma doença que se vence. Mas eu nem sequer sei o que é isso de vencer uma doença. Até porque já eu estava doente e sentia-me óptima e agora, que estou boa(!), sinto-me um ser que tem uma dor física (e psicológica) como companhia inseparável para o resto da vida.
Claro que hoje vejo a vida de outro modo. Apenas no sentido em que 'agora' é o tempo que eu tenho para viver. Portanto, mais vale vivê-lo com o mínimo de esforço e o máximo de prazer, numa relação equilibrada entre as duas realidades.
Tentando não prejudicar ninguém (até porque tenho cinco eleitos sem culpa), eu não faço planos para o futuro. O que for será. Porque a vida continua sempre, eu só já tenciono vivê-la em cada novo dia em que acordo.
Nunca me senti tão sozinha desde que fiquei de baixa. Vejo, de facto, a vida de outra maneira: vejo a correria em que eu também sempre andei e em que não quero voltar a andar. Vejo o stresse de todos e o desprazer obtido naquilo que fazem para sobreviver. Vejo que ninguém tem tempo para oferecer. Por isso, as pessoas até vão gostando de trabalhar, mesmo que estupidificantemente - pois quem trabalha vai-se relacionando, ainda que apenas num nível de superfície.
Claro que hoje vejo a vida de outro modo. Neste momento, é como se a visse através de um vidro ou como se ela fosse o filme a que eu estou a assistir. E não gosto do que vejo, apesar de amar a Natureza e de ter saudades da praia e do campo.
Também tenho saudades das pessoas, mas essas eu sei que já morreram. Só me restam o mar e as árvores, mas eu ainda nem consigo entregar-me a eles. E, como o que vivo é o presente, não sei se voltarei a sentir o prazer que eles já me proporcionaram.
Desculpem o desabafo, mas convém que a verdade seja inteira, que é o mesmo que dizer 'isto do cancro é uma coisa como outra qualquer e a felicidade não tem nada a ver com o assunto'! Sou tão feliz quanto antes. Globalmente feliz, o que quer dizer 'com intermitências de felicidade'.

2 comentários:

Vítor disse...

É claro que a doença te fez ver a vida de outro modo, mas, se não fosse ela, a própria vida te faria vê-la de outro modo. Só chegaste a esse grau de sapiência porque tinhas de lá chegar, de uma forma ou de outra, mais cedo ou mais tarde.
Nascemos sozinhos, vivemos sozinhos e morremos sozinhos, por mais que sejam os seres que coabitem na vizinhança do corpo. Essa é a nossa essência: vivemos gregariamente sozinhos. Só nos apercebemos verdadeiramente disso se, por qualquer razão - entre elas, a doença física ou psíquica -, pararmos enquanto os outros continuam a marcha.
Os outros não morreram, apenas vivem as suas próprias solidões.

Guida Palhota disse...

Tens razão, Vítor.
O problema é essencialmente o de eu ter parado, enquanto todos os outros continuaram a sua marcha. Fui eu que morri e não eles. E serei eu a ter de ressuscitar!
Detesto solidões, sabes!?
Imagino-me feliz numa profissão em que o trabalho seja efectivamente de grupo, onde cada indivíduo tenha funções distintas e vitais para o sucesso do resultado final de cada obra...
E imagino as discussões à volta de cada um dos projectos, em frutuosas reuniões, em que o próprio cansaço do trabalho funcione como motor de relaxamento.
Imagino-me a chegar a casa e a não ter nada para fazer para o dia seguinte, porque todo o dia foi de trabalho a sério, deliciosamente empenhada.
Imagino-me onde sei que nunca estarei, porque são poucos os privilegiados que conseguem o estatuto invejável da fruição da vida de uma forma francamente produtiva sem caminharem para o esgotamento.
Imagino-me a trabalhar. Porque estou farta de estar parada. Mas não é ao que já tive (e que hoje até está bem pior) que eu queria entregar-me!!!
É verdade que todos somos seres solitários, mas há uns mais solitários do que outros...