Apetece-me imitar o Raul Solnado e dizer:
'Mandei fazer dois fatos e fui à Junta Médica'. Naquele edifício alto, estão a ver, aquele que já pensaram em fazer implodir, o da Segurança Social, em Viseu.
Fui, depois de ter pedido para ir, pois se não tivesse mendigado (ninguém me sabia informar como fazer - nem no local de trabalho, nem no IPO, nem no Centro de Saúde a que pertenço, nem no próprio edifício da SS...), teria ficado para sempre sem beneficiar de nada daquilo a que, legalmente, tenho direito.
Por essa altura, só não fiquei convencida de que era a única doente com cancro em todo o distrito de Viseu, pois já vira a lista do Dr. CV para cortar mamas em todos os dias do mês de Janeiro.
Parecia que era a primeira vez que todos viam alguém perguntar como aceder a direitos de quem está doente. Quase ia ficando contente! Olha, sou a primeira!...
E fiquei pensativa: Se o IPO atesta que eu sofro desta doença, da qual sofrem quase todos os seus utentes, porque é que não há, no próprio Hospital, um serviço para encaminhar os ultra-fragilizados seres para o gozo dos direitos relacionados com a sua desventura?
O que vale é que há sempre uma boca amiga, que se abre para contar algo de que já ouviu falar e nos pode interessar. Justiça seja feita a muitas pessoas de boa vontade, que ajudam sem querer nada em troca.
Depois de muitas investidas e de várias esperas longas nos frios corredores do 'SS' de Viseu, recebi em casa uma percentagem... Veio pelo correio: 60%. Era, a partir do "meu" ano (pois ainda no ano anterior era de 80), a percentagem de incapacidade atribuída às doentes com cancro da mama.
"Ok. E agora? O que é que isto significa?"
Significava algumas coisas, mas, na prática, aquilo que me interessava não me enquadrava (só porque eu sou muito especial, claro, não é por o Estado ser labiríntico!). Não pude, por exemplo, usufruir da redução da mensalidade do empréstimo da casa, pois, para que isso pudesse concretizar-se, eu teria de converter o meu empréstimo a 30 anos num empréstimo a 20, o que, já com a redução que me era devida, fazia com que eu passasse a pagar uma mensalidade maior do que a que tinha. LOL
Sei lá eu quando é que vou desta para melhor. Tenho quatro filhos para criar, quero é pagar a casa no maior número de anos possível e com a prestação mais baixa que conseguir...
E os 60%, por cinco anos, para mim, conseguiram apenas resumir-se a uma redução no IRS.
"Bem bom!" - dirão alguns. "Bem bom!" o tanas! Quando regressei ao trabalho, pensam que o que me esperava era 40% do serviço, como seria lógico (ou não acham?)? Não. Eu até me atreveria a dizer que eram 200%, porque, professora ausente da escola por doença grave durante o período em que se operaram mudanças radicais nas escolas entrei com a sobrecarga de me pôr a par das novidades de uma forma praticamente imediata. Isto porque era professora que chegava para assumir a coordenação de um departamento e do seu subdepartamento; para avaliar os colegas (algo que nunca fizera); para frequentar uma formação anual de novos programas a implementar no ano lectivo seguinte, como formanda, fora da escola, e como "formadora" dos colegas do subdepartamento; para dar aulas a duas turmas; para fazer adequações (individuais, claro) para os alunos com necessidades educativas especiais; para orientar estudantes no Centro de Recursos; para apoiar discentes com dificuldades de aprendizagem...
Trabalhei um mês!
Voltei para casa frustrada e indignada por pertencer a um país que não se importa de pagar o ordenado por inteiro a duas pessoas, estando uma em casa e outra a substituí-la, em vez de pagar só 60% ao substituto.
O que é que significará 'incapacidade'? Desde então, nunca mais consegui saber. Pareceu-me, todavia, que me consideraram incapaz de descontar o IRS por inteiro! Assim se tentam calar os doentes, que devem ficar contentes por ganharem mais uns trocos durante uns tempos; agora, trabalhar é para ser no duro. E se assim não quiser (leia-se 'não conseguir'), a pessoa que se deixe ficar em casa a gastar os 36 meses de baixa sem quaisquer descontos que lhe concederam - por uma vez na vida!!!
Mas quem é que quer gastar de uma vez só todo o tempo de baixa sem descontos a que tem direito numa vida de trabalho? E se houver outra doença? A pessoa quer é ir trabalhar. Mas por que razão lhe terão atribuído 60% de incapacidade e a fazem trabalhar como se estivesse 100% capaz?
Ficam a saber, portanto, que um cancro de mama pode dar direito a 60% de incapacidade... fiscal!!!
DESIRE PRABOWO WHO STILL HAS NOT REACHED
Há 5 anos
Sem comentários:
Enviar um comentário