Foram seis os dias da minha quimioterapia, no IPO de Lisboa. E, a separá-los, houve sempre três semanas.
Para que todos os líquidos venenosos que deviam entrar em mim tivessem a sua tarefa cumprida era preciso um mísero período de tempo de hora e meia. Mas este tempo, sentada num cadeirão de uma sala "forrada" de cadeirões idênticos, ultrapassava sempre as doze horas, contado desde a hora do acordar, em Viseu, até à do deitar, de novo em Viseu.
Três horas antes de cada sessão, era preciso estar no Pavilhão de Medicina, para fazer análises ao sangue, e o resultado dessas análises determinava se o ciclo desse dia se cumpriria ou não. No meu caso, tive a felicidade de nunca ser enviada de volta, com vista a recuperar o necessário para enfrentar uma nova dose. Contudo, relativamente à hora marcada para o tratamento, tive quase sempre esperas de duas e três horas, ao fim das quais eu tinha os nervos em franja e chegava ao Hospital de Dia sem saber se tinha fome, se era vontade de fazer xixi, se estava com frio... Sentia um desconforto do tamanho do mundo e esforçava-me, com sucesso, por não deixar sair as lágrimas que me comichavam os cantos dos olhos.
Seguia-se o espetar da agulha, o que, a maior parte das vezes não resultou à primeira, chegando a deixar marcas do massacre de um bico que esteve espetado por baixo da pele do meu braço (ou da minha mão), em movimento insistente de procura do que não encontrava - a veia.
Chegada ao ponto da colocação do adesivo, para segurar, tive ciclos em que a agulha ficou bem colocada e a principal dificuldade era ter de aguentar hora e meia com o braço gelado; mas houve outros de hora e meia de tormento, porque a agulha ficou a picar-me ("mas estava tudo a entrar bem...").
Durante essa hora e meia, era permitido ler, ver televisão, ouvir música com auscultadores, mas eu não tinha vontade de absolutamente nada. E ia reparando na azáfama da equipa de enfermagem, nas dificuldades em espetar as agulhas aos outros doentes (chegamos a um ponto em que as veias já não respondem... e as minhas tinham de ser sempre procuradas no braço esquerdo, pois o meu braço direito é um braço a poupar, devido à mastectomia), reparava nas carecas, nas boinas, nas cabeleiras... E também em quem estava acompanhado (a maioria) e em quem não estava. E imaginava de que sofreria cada uma daquelas pessoas (de cancro, claro, mas de quê e em que estádio...).
Os enfermeiros não conversavam connosco. Tudo se passava de um jeito mecânico, de quem arranja agora um carro e o despacha, para, logo a seguir, quase sem respirar, arranjar outro.
Quando o tratamento calhava num dia a seguir a um feriado, a concentração de doentes era muito maior e o tempo de espera muito doloroso. (Se há turnos em enfermagem, porque é que não havia tratamentos nos feriados?)
Acabada a minha gelada hora e meia, eu e o meu marido, que esteve sempre ao meu lado, despedíamo-nos da equipa de enfermagem, até daí a três semanas. E iniciávamos a viagem para Viseu, enquanto eu telefonava para casa, para calcularem a hora da nossa chegada.
No primeiro ciclo, a entrada em casa coincidiu com o cheiro a carne grelhada, amavelmente preparada pela minha mãe, para me agradar. E eu senti o primeiro vómito.
Nesse dia, houve várias tentativas para que eu jantasse (porque eu até tinha fome), mas tudo me parecia doce, excessivamente doce, até o sumo de laranja, que a minha mãe garantiu ser de laranjas amargas.
Dois ciclos depois, a minha mãe descobriu uma refeição que não me enjoava: courgete estufada com tomate e ovos escalfados.
Tomava uns comprimidos para enjoos, cujo nome não recordo agora, que terão feito o seu efeito, mas, como sempre os tomei, não tenho termo de comparação entre o enjoo prevenido e aquele que o não é.
O que acontecia nos intervalos da quimio escreverei um dia destes.
4 comentários:
Alô...Mamas à Lupa...passei por aqui esta manhã, antes de começar mais um dia de trabalho igual a tantos outros. Foi via I blog your pardon..., não resisti a lê-la, afinal foi no dia dos meus anos que passou por aquele dia menos bom.Um beijo grande, de muita coragem...hoje chove, mas felizmente que amanhã ou esta tarde fará sol de novo...conheço um bocadinho do que fala. Sempre que quiser, para o que quiser, estarei por perto.
Olá, Alfa!
Que boa surpresa em mais uma manhã, que, sem ela, seria a de um dia como tantos outros...
Felicito-a pelo seu aniversário e encho o peito por ter partilhado comigo a sua sensibilidade.
Obrigada pela revelação da sua disponibilidade. Talvez eu apareça lá pela sua "casa", quer chova, quer faça sol - para partilharmos...
Um beijo grande
e até já
Olá! Pois eu não consigo esquecer o nome desses comprimidos... Ondanstron... Cresce uma náusea só de os relembrar!
Parabéns pelo blog. Aqui tem mais uma leitora assídua!
Olá, Ana!
Seja bem aparecida por aqui. Obrigada pelo nome dos comprimidos. Eu estou a tentar que nada do que passei me dê vómitos agora nem nunca. Mas gostava, especialmente, de trocar experiências que pudessem servir de alerta para que outras pessoas consigam não passar pelo que nós passámos.
Vá aparecendo. Terei todo o gosto em recebê-la.
Um beijo rosado
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