Antes do início da leitura deste texto, convém vincar que os Cancros da Mama afectam homens e mulheres, como quase todos os outros. Claro que o cancro da próstata será difícil de esperar numa mulher, como o do colo do útero num homem...
O cancro é uma doença que resulta de uma incapacidade de o organismo se defender das células defeituosas que se produzem constantemente no nosso corpo. Se os nossos mecanismos de controlo de tumores falharem, ou seja, se o nosso sistema imunitário estiver em défice no que respeita ao espírito combativo, há um alto grau de probabilidades de não haver processamento defensivo relativamente a um corpo estranho.
Este será um caso em que a lesão num tecido não conseguirá atrair células imunitárias que cumpram o seu papel de reposição do estado normal, localizando e destruindo bactérias.
Neste caso de debilidade, os pequenos vasos sanguíneos que alimentam qualquer célula saudável do organismo e estão em constante processo de reposição (pois são utilizados em permanentes situações de combate a invasões) não são repostos mas sim tomados pelo processo inflamatório. E as células cancerosas aproveitam-se deles para se abastecerem para uma guerra que começa por imitação da nossa capacidade de nos regenerarmos - pois conseguem fomentar o crescimento de novos vasos sanguíneos, para fazerem proliferar o seu domínio, viajando pelo corpo e instalando-se em outros locais. Originam aquilo a que chamamos metástases.
Ora, convém insistir na ideia de que este processo ocorre por deficiência do nosso sistema imunitário, algo que, à partida, é poderoso, mas sofre enfraquecimento por várias ordens de factores, factores sobre os quais escreverei um dia destes e que podem ser evitados por diferentes tomadas de atitude existencial...
Hoje, depois desta longa introdução, o meu intuito é revelar a diferença entre cancros, nomeadamente a que diz respeito aos cancros da mama. E isto porque sei que, quando se ouve dizer que alguém conhecido "também tem cancro da mama", acontece uma imediata comparação entre este novo ser afectado e todos aqueles que já conhecíamos. E a comparação vai no sentido de se considerar que todas estas pessoas sofrem de um mal igual. ERRADO!
E, como é errado, faz tão mal ter de ouvir, já sem vontade de explicar, pela frequência do embate, declarações como esta:
"Já sabes que aquela actriz conhecida também tem cancro da mama, claro. Mas olha, foi operada depois de ti e já apareceu a falar, e com um vestido de alcinhas."
A vontade seria inspirar-me no Vasco Santana e dizer "cancros da mama há muitos, seus palermas"! Mas não devo nem posso fazer isso, porque, antes de ser eu também uma das afectadas, o meu grau de ignorância sobre este assunto talvez me levasse a erros semelhantes...
Para começar, o cancro da mama é muitas vezes ductal, isto é, desenvolve-se dentro de um ou mais ductos (canais por onde, na mulher, circula o leite). E é sobre este tipo, APENAS, que vou expor algumas diferenças a considerar.
Um carcinoma ductal pode estar confinado ao interior do ducto (carcinoma ductal in situ) ou ter características que o levam a transpor o ducto (carcinoma ductal invasivo). O meu era invasivo.
Sofrendo de um destes tipos de carcinoma, uma pessoa pode ter um ou N tumores. Eu tinha N, em comunicação - intraductal invasivo, portanto.
Tendo só um nódulo, o procedimento pode, muitas vezes, ser o de retirar apenas o tumor ('tumorectomia'), preservando a mama. Todavia, se o nódulo for grande (ou por outros factores), poderá ser necessário retirar todo um quadrante ('quadrantectomia'), ou seja, um pedaço da mama. E se os nódulos forem vários, grandes, em comunicação, espalhados ou distantes, a intervenção a efectuar tem o nome de 'mastectomia' e leva toda a mama. Eu fiz uma mastectomia.
Durante a operação, os médicos têm acesso ao grau de ramificação do cancro, através da análise do 'gânglio sentinela', que é o primeiro da cadeia linfática do braço, para onde, em primeiro lugar, o cancro pode espalhar-se. Se o sentinela estiver afectado, será necessário verificar o resto da cadeia, com a probabilidade de encontrar alguns ou muitos gânglios infectados, que terão de ser removidos. Quanto mais gânglios forem retirados, mais enfraquecido ficará o braço, para sempre, e pior é o prognóstico de cura. O meu gânglio sentinela estava limpo.
Após a intervenção cirúrgica (para quem não necessitou de tratamentos prévios - para reduzir o tamanho do(s) tumor(es), por exemplo), o exame histológico aos tecidos extraídos ditará, para a equipa médica, os tratamentos necessários para prevenção de recidivas. Há quem se fique pela cirurgia, há quem precise de um pouco mais e há quem precise de muito mais. E, para a tomada de decisão, são importantes factores como o estádio da doença e a idade do doente. Mesmo num estádio inicial, doente considerado ainda jovem é doente a tratar da forma mais agressiva, pois, em princípio, a malignidade que atingiu o seu organismo está ainda muito capaz de voltar a atacar. Eu sujeitei-me a quimioterapia, radioterapia e hormonoterapia.
O protocolo não é, evidentemente, igual para todos, o que faz com que o número de sessões de quimio e de rádio seja diferente de pessoa para pessoa, o tempo gasto em cada tratamento seja maior ou menor, o cabelo caia ou não caia, ainda que se faça quimio, etc.
E, entre tantas outras questões, apetece-me ainda referir a questão da reconstrução mamária. Há de tudo. Quem queira e quem não queira. Não é obrigatória, mas faz parte da recuperação - hoje em dia.
Quem faz tumorectomia não tem nada a reconstruir (!). Retira um corpo estranho que tinha dentro da mama, que, para tal, é aberta e fechada. Salvas as devidas diferenças, vou estabelecer uma comparação entre uma extracção de apêndice e uma extracção de um tumor mamário. Com vantagem para o tumor mamário (se não houver metástases), nos casos em que a operação é acompanhada por um cirurgião plástico.
Quem faz quadrantectomia já pode querer uma intervenção plástica.
E quem faz mastectomia... se não a quiser, assume claramente que fica sem um pedaço que era seu - para sempre. E poderá, depois, usar uma prótese externa, que se coloca entre a pele e o sutiã.
Mas, se a quiser, como eu, tudo se passa de forma(s) mais complicada(s), com os seus custos a nível físico e psicológico.
Há vários modos de o fazer: a reconstrução total imediata; a reconstrução após um período de adaptação da pele (usando um expansor, que, à frente, descreverei) para receber uma prótese definitiva, de silicone; a reconstrução através do aproveitamento de tecidos da barriga ou das costas...
Eu usei um expansor durante 15 meses e tenho uma prótese de silicone desde Abril passado.
O expansor é uma espécie de balão, que me colocaram por baixo da pele da antiga mama natural, no momento da primeira intervenção. É um saco, portanto. Um saco que se expande. E a expansão, que acontece através de injecções de soro fisiológico, é feita gradualmente. Saí do bloco operatório com 50 ml de soro num balão com capacidade para 350 ml. Depois disso, a cada conjunto de quatro ou cinco dias, tinha de voltar ao hospital - para encher! Enche-se usando um íman que detecta o "pipo", faz-se a marcação do sítio exacto com uma caneta e espeta-se a agulha da seringa para injectar 50 ml. E, de cada vez que se regressa "com mais algum", a autoestima eleva-se.
Mas o expansor, elemento rijo como uma tigela, começa a incomodar quando já está cheio. Especialmente depois da radioterapia, que destrói células, provocando um encolhimento da pele. O expansor fica, literalmente, apertado, sem espaço suficiente para que a paciente se sinta normal. E o incómodo torna-se permanente. Só dormir resolve o problema. Ou então uma ajuda psiquiátrica... porque dor constante é sinónimo de irritação crescente... Com o meu expansor, a sensação era a de que vestira, por engano, um sutiã vários números abaixo do meu. Um sutiã que não podia tirar, apesar de me magoar muito. Troquei-o, há nove meses, pela definitiva prótese de silicone, a qual não me trouxe o alívio esperado e me obriga ainda a sessões diárias de fisioterapia, numa tentativa de "descolar" a pele e o grande peitoral da prótese à qual "aderiram" por fibrose. Com implicações na condução e na passagem do cinto de segurança. E também no meu estado de espírito, que solicitou medicação para a dor e para a tolerância...
A minha mastectomia tem estes contornos; outra mastectomia poderá ter outros; uma quadrantectomia trará consequências diferentes; e a tumorectomia é algo que imagino mais simples. E ainda há quem também tenha cancro da mama, e o trate com sucesso, sem nunca chegar a qualquer tipo de cirurgia.
Não sei se alguém teve paciência para ler este texto até aqui. Se for o caso, gostava que ficasse claro que sofri por me compararem com outras pessoas. E a verdade é que cada caso é um caso, e é assim para tudo na vida, não só para o cancro da mama.
Não digam, por favor: Aquele (ou aquela) sofre do mesmo que tu.
E nunca acrescentem: E já faz isto ou aquilo e desta ou daquela forma...
Não há mesmo "cancro da mama"; há "cancros de mama".
DESIRE PRABOWO WHO STILL HAS NOT REACHED
Há 5 anos
2 comentários:
Gosto da forma como explicas as coisas como falas no cancro da mama!
E estou a ler tudo sim! :o) beijoka
Olá
Li tudo e concordo perfeitamente contigo.
jokas
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