Foi há dois anos. Precisamente. E eu não terei gostado. Apesar de ter agradecido...
Entrei no IPO às 8:30h, "pela mão" da minha mãe (como se ainda fosse a sua pequenina) e tomei, a seu lado, a segunda e última refeição do meu dia: uma torrada de pão regional e um galão bem quente e clarinho. Mais o café bem cheio, claro.
Seria operada no fim da tarde/princípio da noite. Até lá… vários exames pré-operatórios, incluindo a pesquisa do 'gânglio sentinela', que me obrigou a quase três horas de imobilidade, deitada e “coberta” por um sofisticado aparelho de detecção do primeiro gânglio da cadeia linfática, para onde o "bicho mau" pudesse ter-se escapado. Custaram-me, especialmente, a injecção de contraste na aréola e o frio no braço direito.
Não me lembro de uma emoção, de qualquer lágrima ao canto do olho, nem de qualquer medo. Durante um longo dia, fiz tudo aquilo que me mandaram, praticamente sem colocar questões, absolutamente resignada, totalmente confiante. Senti fome e sede, mas conhecia um truque para mitigar essas sensações: lavei os dentes depois de não ter almoçado e depois de não ter lanchado.
Do momento de entrada no hospital, guardarei para sempre a imagem sorridente e prestável da voluntária D. Helena, que me guiou, qual anjo da guarda, pelos meandros daquela casa infinita e ainda pouco conhecida por mim, até à hora do exame mais demorado. O casaco dela chegou a estar pendurado nos meus ombros, não fosse eu constipar-me, da manhã para a tarde, nas inevitáveis transições entre os vários edifícios do conjunto. Tudo me pareceu a meu favor, a partir do contacto com a D. Helena. Em cada novo compasso de espera, ia observando o que se passava à minha volta. Não me apeteceu ler nem escrever, apesar de ter ido preparada para ambas as actividades. O que fiz foi conversar com outros doentes, sem, todavia, ter havido partilha de pormenores.
Aprendi, nesse dia, ainda antes de conhecer a palavra final a mim destinada, que há muita gente a morrer oferecendo força e esperança. Fixei para a vida que qualquer maleita que nos chegue é para ser tratada com seriedade e com a maior brevidade possível, mas sem dramatismos nem lamechices. E que não se desiste nunca de acreditar que vamos melhorar até estarmos curados. E ainda… e infelizmente, que daqueles que ali nos rodeiam, são em maior número aqueles que estão pior do que nós do que os restantes.
Por volta das 19h, logo a seguir à “empreitada” do ‘sentinela’, fui chamada, com pressa, para o bloco operatório. Corremos, literalmente: eu, a minha mãe e a enfermeira. Os cirurgiões (um geral e um plástico) e a sua equipa esperavam por mim! Foi o conhecido “ver se te avias” – o quarto, a cama, o cacifo, tirar a roupa, vestir uma bata, telefonar ao Pedro, entregar a aliança à minha mãe, despedir-me dela, viajar de cama até um elevador, entrar no bloco por uma janela (deitada, como se não conseguisse andar), mudar da cama para o tapete rolante, do tapete para uma nova cama, da cama para a, inacreditavelmente estreita, mesa de operações, ser cumprimentada com um “Bem vinda ao Polo Norte!” (o Bloco é verdadeiramente gelado!), sorrir a N sorrisos verdes e conhecer a anestesista ‘Margarida Pascoal’, minha homónima que me adormeceu depois de eu ter dito “Até logo” à minha prima Paula, única a estar presente quando eu acordasse…
Não tive tempo para pensar que todo aquele aparato era para me tirarem uma mama!... Porque houve uma outra ‘menina’, escalonada para o mesmo, imediatamente antes de mim, que foi enviada a grande velocidade para a terrível espera até ao dia seguinte, logo depois de ter respondido às sacramentais perguntas feitas à entrada do Bloco: ‘Comeu ou bebeu alguma coisa’? Tinha bebido água! Entrei eu. “A correr”!
Lembro-me do bico finíssimo da caneta que contornou a área a cortar. Arranhava. E de a minha homónima, que não era eu (houve brincadeira a propósito), me ter espetado a agulha. E lembro-me também de ter perguntado à Paula que horas eram, quando acordei: 21:30h.
Passaram dois anos, só os primeiros dois que já ganhei ao bicharoco que me queria devorar...
sábado, 23 de janeiro de 2010
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1 comentário:
PARABÉNS!!! Como diz a canção, esse foi o primeiro dia do resto da tua vida. E assim sempre será desde que queiramos começar a contar. Parece-me que é apropriado dizê-lo perante a gravidade daquilo que te afectava.
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